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Trauma abdominal: estudo das lesões mais frequentes do sistema digestório e suas causas
25.03.2015

INTRODUÇÃO

O trauma abdominal é o sofrimento resultante de uma ação súbita e violenta, exercida contra o abdome por diversos agentes causadores: mecânicos, químicos, elétricos e irradiações. A incidência desse traumatismo vem aumentando progressivamente e sua gravidade é determinada pela lesão de órgãos ou estruturas vitais do abdome e pela associação com outras lesões, principalmente crânio e tórax16.

O sucesso no manejo do trauma abdominal é caracterizado pela eficiência da abordagem inicial que permite instituir o diagnóstico precoce e o tratamento oportuno das lesões intra-abdominais, quando presentes.

Classifica-se esse trauma em dois tipos principais - aberto ou fechado. No aberto existe solução de continuidade da pele; enquanto que no fechado, também denominado contusão abdominal, a pele está íntegra, sendo que os efeitos do agente agressor são transmitidos às vísceras através da parede abdominal, ou se dão por contragolpe ou desaceleração. Por sua vez, os traumatismos abertos são subdivididos em penetrantes e não penetrantes na cavidade abdominal.

Os ferimentos abdominais abertos são usualmente causados por armas de fogo ou por armas brancas19.

As causas mais frequentes da contusão são os acidentes automobilísticos (70%), os golpes (17%) e as quedas acidentais (6%). As contusões são responsáveis por 1% de todas as internações hospitalares por trauma abdomina17.

Nas crianças, além dos mecanismos de lesão previamente mencionados, devem também ser considerados o abuso físico e o trauma secundário à atividades recreativas, tais como ciclismo, natação e skating19.

Com o abdome traumatizado podem ocorrer lesões nos diversos órgãos e estruturas intra-abdominais, levando a ruptura de vísceras ocas e/ou parenquimatosas. As vísceras parenquimatosas lesadas ocasionam perda sanguínea, podendo levar à hemorragias importantes, enquanto que as vísceras ocas lesadas causam liberação de secreções digestivas como suco gástrico ou intestinal, bile, fezes e urina, podendo levar à peritonite.

Nas contusões, lesam-se os órgãos com maior teor de água, menor resistência da cápsula e mais fixos13.

As lesões viscerais estão presentes em até 98% dos casos de ferimentos abertos por arma de fogo9. Os órgãos mais atingidos nesse trauma do tipo aberto são aqueles que ocupam maior área, como por exemplo, o fígado13.

No atendimento inicial aos pacientes com trauma abdominal é de grande importância o estabelecimento de prioridades. Em primeiro momento, a manutenção da via aérea pérvia, com controle da coluna cervical, além da avaliação da respiração e controle da hemorragia são essenciais e determinantes da sobrevida destes pacientes.

Quando o trauma abdominal não é isolado, havendo lesões em outras regiões, o atendimento inicial envolve o ABCDE do politraumatizado. Assim, uma série de prioridades e princípios devem ser seguidos envolvendo terapêutica e equipe multidisciplinar. O atendimento é diretamente proporcional à gravidade do trauma, sendo que as avaliações laboratoriais e radiológicas dependem das condições e necessidades de cada doente e, muitas vezes, a laparotomia se impõe de imediato16.

O objetivo desse estudo é identificar as causas do trauma abdominal, relacionar com as vísceras do sistema digestório mais atingidas, a existência de lesões associadas em outras regiões e as suas relações com o sexo e faixa etária.

 

MÉTODO

O estudo foi realizado no Hospital Universitário Evangélico de Curitiba (HUEC) e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade Evangélica do Paraná (FEPAR). Foi elaborado a partir de 34 prontuários de pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), atendidos no período de janeiro de 2005 a setembro de 2005.

A coleta de dados deu-se a partir de prontuários, de forma retrospectiva, por meio de protocolo elaborado previamente, baseado nas variáveis que constituem os objetivos principais deste trabalho (Figura 1).

Para facilitar o estudo, os traumas abdominais foram divididos em: trauma aberto (ferimentos por armas de fogo ou por arma branca) e trauma fechado (contusão). Dentro de cada divisão foram analisadas as vísceras e as regiões associadas mais atingidas.

 

RESULTADOS

Constatou-se que a maioria das vítimas era do sexo masculino (91%). A faixa etária dos pacientes variou de 11 a 70 anos, sendo que o maior número de casos ficou entre 21 a 30 anos (Gráfico 1).

 

 

Analisando a causa do trauma, observou-se que predominou o trauma abdominal do tipo aberto com 20 casos analisados, sendo que o fechado de 14 casos (Gráfico 2).

 

 

Dentre os traumas abertos, as principais causas foram os ferimentos por arma de fogo (Gráfico 3).

 

 

As principais causas das contusões foram as quedas, representando 44% dos casos, seguido de acidentes automobilísticos (35%) (Gráfico 4).

 

 

Na análise das lesões por contusões, as vísceras mais atingidas foram respectivamente: baço e fígado, sendo pouco comuns as lesões pancreáticas e renais (Gráfico 5).

 

 

As vísceras mais atingidas no trauma abdominal aberto foram o intestino delgado, seguido de fígado, rins e cólon (Gráfico 6).

 

 

Observou-se que os pacientes com trauma abdominal, também podem apresentar lesões associadas em outras regiões, caracterizando um politraumatizado (69,23%). Sendo assim, o tórax foi a principal região associada e o crânio a área menos atingida (Gráfico 7).

 

 

DISCUSSÃO

O número de pacientes traumatizados tem aumentado nos últimos anos e, grande parte desses, se deve ao aumento da violência5 e da energia cinética envolvida nos acidentes de trânsito, principalmente nas médias e grandes cidades21. Embora nos últimos quatro anos tenha havido sensível redução nos índices de mortalidade por acidentes de trânsito nas principais capitais brasileiras, esse ainda se mantém como importante causa de morbimortalidade1. Nas Américas, os acidentes com automotores são as principais causas externas de mortalidade4,20. Isso causa aumento da complexidade das lesões encontradas nas vítimas e, consequentemente, em um novo desafio para os cirurgiões.

Quando há instabilidade hemodinâmica, sinais de peritonite, lesões penetrantes ou distensão abdominal, o diagnóstico pode ser feito mais rapidamente, porém algumas vezes são necessários exames complementares. O FAST (Focused Assesment With Sonography In trauma) pode ser usado devido à sua alta sensibilidade em detectar hemoperitônio em pacientes instáveis e o lavado peritoneal é útil quando o ultra-som e a tomografia não estão disponíveis. Já quando o paciente encontra-se estável, o método de escolha, em pacientes com trauma abdominal contuso, é a tomografia computadorizada com triplo contraste22.

Pelos resultados obtidos nessa pesquisa, houve predominância do sexo masculino (91%), conforme outros trabalhos encontrados na literatura14,15,17,18,22 e semelhante ao relato do Colégio Americano de Cirurgiões, com 64,6%11.

Nessa casuística, a faixa de idade mais atingida foi a terceira década de vida, o que se assemelha com outros estudos17,21. Portela14 cita que essa tendência deve-se a alguns fatores tais como pertencer à faixa etária mais produtiva da vida, praticar esportes com maior frequência, estar vinculado à atividades de combate e o maior consumo de bebidas alcoólicas. Existem alguns autores que apontam a quarta década como a de maior frequência12.

Assim como no trabalho de Stalhschmidt21 e Prado Filho15 a presente pesquisa como a maioria dos traumas o do tipo aberto, ao contrário do predomínio de contusões referidas em Ribas Filho17 e Portela14. Armas de fogo foram os instrumentos mais utilizados para causar os ferimentos abertos, o que são corroborados por outros autores17,19. Entretanto esse dado discorda de outros que citam como instrumento mais usado as armas brancas15.

As quedas foram as principais responsáveis pelos traumas abdominais fechados, igualmente referido no trabalho de Batista3, porém diferente da posição deste evento traumático na escala de prevalência do Brasil (5º lugar)23 e diferente dos trabalhos onde prevaleceram os acidentes de trânsito7,15,17. No idoso a queda constitui causa bastante frequente de traumatismo, porém a população observada neste estudo não condiz com essa.

O baço foi a principal víscera comprometida nas contusões, corroborando com outras publicações7,8,11,14,17. Outra víscera bastante acometida nessas contusões é o fígado - as lesões leves correspondem à maioria (85%) das lesões hepáticas6.

Em traumas abertos as vísceras mais atingidas foram intestino delgado, seguido de fígado, rins e cólon, possuindo certa equivalência com os resultados de outros estudos16,17,21,26. Neste estudo, o fígado foi o segundo órgão mais envolvido nos ferimentos abertos, justificando a afirmação de Fagundes10 sobre avaliar as lesões hepáticas, visto que é o órgão sólido mais lesado nos ferimentos abdominais por arma de fogo, com mortalidade geral de 17%.

Lesões associadas em outras regiões foram encontradas em 69,23% dos pacientes. O alto número de lesões associadas é importante desafio para a condução dos pacientes, pois sua presença dificulta a decisão do tratamento conservador. Na amostra utilizada a região mais afetada foi o tórax, igualmente em trabalho de Ribas Filho17.

O trauma, muitas vezes é considerado a "doença negligenciada da sociedade moderna" porque mata e incapacita mais do que as guerras e, mesmo assim, não sensibiliza nem mobiliza a sociedade e os governos. O prejuízo social que o trauma traz é imensurável. Não há como avaliar quantitativamente o impacto social que as mortes ou sequelas do trauma causam para a população. A etiologia do trauma está na sociedade e nela a solução. Cada ação política, preventiva, terapêutica e de consciência debruçada sobre a pessoa humana é uma esperança para atenuar este flagelo2.

 

CONCLUSÃO

Através do estudo constatou-se que as principais causas de trauma abdominal foram ferimentos por arma de fogo (trauma aberto) e quedas (trauma fechado). As vísceras mais comumente atingidas foram as parenquimatosas (baço e fígado), no trauma fechado. Lesão de intestinos, fígado e rins, no trauma aberto. Dentre os pacientes atendidos, a maioria era do sexo masculino e a faixa etária predominante foi entre 21 e 30 anos. Nos politraumatizados, outras regiões foram afetadas além do abdômen, sendo a mais acometida o tórax.